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sexta-feira, 10 de julho de 2009

E.G.O. - parte 1

Começou escrevendo sobre como decapitar seus colegas, depois pensou em cavar um buraco tão fundo que poderia enterrar a professora sem que ninguém notasse. Resolveu amassar o papel e jogar no lixo, eles não mereciam esse tipo de coisa... Ela queria fazer pior, queria que eles sentissem dor, queria que eles sentissem a mesma dor que ela sentiu quando fora humilhada na frente do menino que gostava.
Folha em branco. Resolveu agora desenhar, desenhou-se com uma faca ao lado de várias pessoas várias pessoas. Carregava nos traços pra fazer cortes profundos e doloridos, fazia cortes em pescoços, virilhas e nos vãos entre os dedos, na sua cabeça isso parecia deliciosamente doloroso. Jogou fora.
Folha em branco. Começou a escrever uma carta de despedida, na carta ela culpava por terem lido suas cartinhas de amor, escrevia o quanto odiou ficar trancada no quartinho escuro e úmido com o zelador bêbado enquanto todos iam pra educação física. Admitiu que sentiu raiva de si mesma por ter contado na frente de todo mundo que ainda não sabia amarrar os sapatos.
A carta manchou com as pequenas lágrimas que pingavam aos montes de seu rosto, enxugou um pouco, parou e deu uma forte respirada e jogou mais uma folha fora. Não era ela que iria partir, desistir de si por causa dos outros era bobagem, aquilo estava errado, ela era quem merecia viver, ela e não os outros.
Ela se sentia sozinha e abandonada, a mãe não estivera presente nos últimos três anos e ela se culpava ingenuamente por isso. O pai era homem de negócios, sempre de terno e celular, almoçava em casa e perguntava das notas, se elas estivessem boas ele nem continuava a conversar. Fazia um tempo tinha começado a sair com a secretária, que era vinte e cinco anos mais nova que o pai e tinha um cheiro estranho de estrume de cavalo.
Incluiu o pai na lista.
Abaixou a cabeça e dessa vez lembrou-se dos cochichos e risadinhas que ouviu no banheiro feminino por causa de seus óculos novos. Os comentários vinham das garotas mais velhas Malditas popularezinhas.
Perguntou-se se preferia estar sozinha ou se queria estar rodeada de amigos igual os personagens daquela novelinha que passava a tarde na tevê... Aliás, será que aquelas pessoas eram amigos de verdade ou eram pagos pra fingir se darem umas com as outras? Ela achava impossível amigos que tivessem tantas aventuras juntos, que fossem tão unidos e dessem tantas festas animadas, se existiam tantas pessoas legais no mundo porque ela não conhecia nenhuma?
Fechou os punhos e bateu-os contra a cabeça, entre lágrimas e soluços de repente teve uma ideia que faria com que sua vingança fosse definitiva, faria com que ninguém mais duvidasse do seu potencial, da sua força de vontade, pois fazendo aquilo ela seria para sempre respeitada.
Seu coração ficou sereno, e seu rosto finalmente demonstrava um sorriso, aquele sorriso de alivio e loucura como de quem acabou de escapar ileso de um acidente de carro. Naquela noite ela dormiu profundamente.
Era ainda muito cedo, mas já estava acordada. Desceu as escadas na ponta dos pés e foi até a cozinha, abriu uma gaveta e achou o objeto que tanto desejou no seu ultimo sonho, uma tesoura para trinchar aves.
Subiu as escadas tranquilamente, quase tinha vontade de cantar, mas segurou o fôlego até chegar à porta do quarto. Abriu-a sem fazer barulho. Observou aquele quarto com paredes pintadas de um azul com rodapé branco que lembrava o céu em uma tarde de outono. Seu pai estava na cama, enrolado nas cobertas como uma criancinha recém-nascida enrolada em uma manta. O pai estava imóvel, até parecia uma estátua de cera, por um tempo achou que talvez não fosse conseguir, mas tinha que ser feito, caso não fizesse jamais se perdoaria por ter saído perdedora mais uma vez.
O negócio era não pensar muito, relaxar, e fazer, se fizesse isso agora os próximos passos seriam muito mais fáceis.
Fechou os olhos e cravou a tesoura no coração do pai, justo no coração, a parte mais ferida em seu corpo. O pai deu um pulo, não se sabe se de vida ou de espasmo, não se sabe por que antes que ele pudesse demonstrar outra reação ela ergueu a tesoura aberta e rasgou sua garganta com todo o sentimento de alguém que foi negligenciada uma vida inteira pela família. O sangue espirrava para todo lado, inclusive em seu rosto, que agora demonstrava uma expressão diabolicamente satisfeita.
Saiu correndo do quarto, sentou no corredor, baixou a cabeça e como quase não sabendo o que pensar deu uma alta gargalhada, lá estava ela, finalmente se vingando do mundo que o fizera refém, esse definitivamente era seu grito de liberdade.
Foi ao banheiro e se olhou no espelho, aquele sangue em seu rosto parecia maquiagem, era como a camuflagem que os soldados usavam na guerra, sob aquela pintura ela era imbatível, intocável, ninguém poderia feri-la.


(continua...)

8 comentários:

Diogo disse...

Muito bem escrito...congrats! ;)

Paulo Bono disse...

bem escrito mesmo.
e lembrou Carrie, a Estranha.

abraço

Hera disse...

Me lembrou Retorno ao País das Maravilhas, uma minissérie da HQ dos Contos de Grimm..

Anônimo disse...

ta bem escrito.

Unknown disse...

tb me lembrou Carrie, a estranha.
Super beme scrito e prende a atenção até o final.
parabéns.

Mateus Henrique Zanelatti disse...

Ah, que meninima malvada eim... Se eu fosse o pai dela dava umas chineladas, mas ops, o pai dela se foi...
Boa história Bolhas. Bem escrito mesmo.

Abraço

Kelly Christi disse...

Seu texto é o cotidiano se manifestando literariamente, mais uma vez.

Bjitos

http://www.pequenosdeleites.blogspot.com

ana disse...

E.G.O. tcharan tcharan... continua no próximo episódio...
ficou bem escrito, mesmo. desculpa a demora pra ler. ficou bom, afinal.
beijo.